Na iminência de uma crise multidisciplinar causada pelo covid-19 (saúde e econômica, mas que acaba evidenciando outras deficiências de maneira global), na direção da qual já demos os primeiros passos, fiquei pensando como eu poderia, de fato, ajudar. Afinal, não sou da área médica, por exemplo, para estar na linha frente. Mas com amigos, colegas e conhecidos preocupados em manter seus negócios, na intenção inclusive de contribuir socialmente com a solução, entendi que posso abordar um assunto do qual me sinto muito confortável em falar: gestão. Neste caso específico: gestão em tempos de crise.
A gestão em crises é muito diferente da gestão convencional. Em empresas maiores, raramente o mesmo gestor servirá bem aos dois papéis. Eu não ficaria surpreso em observar trocas de CEOs em grandes empresas nas próximas semanas. Isso porque o gestor convencional tem uma mente expansionista: sua cabeça é criativa, e focada em estratégias para ampliar a abrangência do seu negócio. O gestor de crise, em contrapartida, é o oposto: sua cabeça é a de sobreviência em um cenário em que a expansão é um bônus, e não uma meta.
Mas, se nas grandes empresas este movimento é possível, nas pequenas não é. Muitas vezes nós, enquanto CEOs, somos convidados a fazer o café, varrer o chão e apagar a luz ao final do dia. Ou seja: nesta crise, seremos nós mesmos (os gestores que sonham grande) os responsáveis por mantermos os pés no chão.
Por isso, resolvi fazer uma série de artigos sobre gestão na crise. A intenção é clarear, acalmar e elucidar um pouco do movimento que viveremos nos próximos meses. Esteja à vontade para comentar, discordar e, assim, engrandecermos o debate.
First things first: o óbvio (que precisa ser dito)
Antes de começarmos a falar em planos de ação, acho importante lembrarmos o que pode ter ficado esquecido: a economia é cíclica. Não existe mal que dure para sempre, e isso vale na economia também. É claro que algumas rescessões são causadas por movimentos mais severos (como a da Venezuela, por exemplo) mas, de maneira geral, as crises passam.
Ainda que seja jovem, estive à frente de um negócio durante a crise de 2008, a de 2014 e agora estou diante da terceira. Esta é, de longe, a mais imprevisível de todas – porque não é uma crise estrutural. Ou seja: não houve rompimento de qualquer ciclo. Ninguém quebrou, ninguém implodiu. Os países estavam estáveis. O Brasil estava em ascensão consistente.
Mas um vírus interrompeu o ciclo. A crise existe porque o dinheiro está parando de girar, e não porque o dinheiro deixou de existir (como em 2008). E também não há falta de confiança (como em 2014), que foi o motivo que culminou no impeachment da presidente algum tempo depois.
O problema atual é que não há disponibilidade física para fazermos o dinheiro girar. Não podemos mais frequentar restaurantes, ir às compras, viajar, fazer passeios turísticos… Estamos sendo forçados a parar de consumir, e isso gera um “freio” natural na economia.
Mas a questão principal é que este consumo, em tese, volta tão logo possamos sair novamente às ruas e caminhar livremente. E isso irá acontecer. Na China, 3 meses depois, as coisas começaram a girar novamente.
Nós estamos na terceira semana de um período que parecerá muito longo enquanto estivermos dentro dele. Mas sempre vale o lembrete: não há mal que nunca acabe. A crise vai passar, e este é um lembrete muito importante para você ter em mente agora. Ser “gestor na crise” é um papel temporário que você deverá assumir (e talvez assuma mais vezes no futuro), não é um papel definitivo.
E já que a crise vai passar…
Estabelecida esta premissa, a primeira decisão que um gestor precisa se fazer é: eu quero que a minha empresa sobreviva? Esta parece uma pergunta óbvia, mas a resposta não é sempre a esperada. Muitos negócios surgem por oportunidades existentes apenas na bonança, quando está todo mundo muito feliz e disposto a gastar com serviços supérfluos. Um ponto igualmente importante é que o nosso perfil como ser humano tende a uma mudança agora! O seu produto ou serviço ofertado continuará sendo relevante quando isso passar?
Se você decidiu que quer seguir em frente, então aqui vão os primeiros passos para tornar esta jornada um pouco mais tranquila!
Passo 1: Rasgue o planejamento anterior
Isso, você leu bem. O primeiro passo para uma crise é uma folha em branco e uma caneta com bastante tinta. Vamos reescrever tudo.
Pare para pensar: lá no ano passado, ou em algum momento pré-crise, você estabeleceu uma meta. Depois, você pegou todas as premissas que você tinha em mãos (indicadores, tendências de mercado, oportunidades em vista) e compilou isso em um “plano”.
Bem, 100% destas premissas mudaram. Algumas melhoraram, outras pioraram, outras sumiram e novas apareceram. Adaptar o seu plano atual simplesmente vai dar muito trabalho. Recomece, do zero.
Veja que revisar o plano não se trata de revisar metas. Eventualmente sua meta pode até aumentar – muitas empresas estão aumentando o faturamento durante a crise. A questão é: mesmo para estas empresas, as premissas mudaram (a demanda cresceu, logo a necessidade de entrega também). Portanto, não se trata necessariamente de revisar as metas, mas sim do caminho que você seguirá para chegar lá.
Passo 2: Revise o planejamento semanalmente
Tudo que é novo é cheio de incertezas, e isso também vale para quase todas as premissas que você usou para desenhar o seu plano, certo?! A cada dia temos uma enxurrada de novas pesquisas, informações e decretos que vão desenhando o caminho da crise estabelecida. Também, na questão de saúde, novas descobertas podem mudar completamente a realidade desta pandemia – afinal, à medida que o vírus avança, a ciência também avança!
Então, apesar de parecer um pouco exagerado, tire alguns minutos por semana para olhar se as premissas usadas no planejamento ainda fazem sentido. Se você validá-las, o planejamento está OK. Se você enxergar alguma mudança abrupta, separe algumas horas para revisar o que precisa. : )
Passo 3: Garanta o seu foco
Garantir o seu foco é essencial neste momento. O fluxo intenso de informações, a novidade no ambiente (home office com aquela geladeira super atrativa) e o cenário incerto tendem a nos roubar muito foco. Cuide com isso.
Automatize todas as atividades que você pode automatizar (mas não fazia porque achava tranquilo fazer aquilo), como atividades do dia a dia. Reduza a burocracia, e se preciso abra mão de alguns controles extras. A hora agora não é a de burocraria em cima dos detalhes; a hora é de dedicar o seu foco à sua sobrevivência. Lembra do que falamos lá em cima? O foco da crise é estar vivo ao final dela!
Tire alguns minutos para pensar no seu dia. Faça uma lista. Veja tudo que você faz manualmente e cronicamente. E procure ferramentas que o ajudem a automatizar tais atividades.
Passo 4: Faça o que tem que ser feito
Existe muita discussão em cima dos limites de uma crise. Em um call recente de venture capitalists que pude assistir, houve uma pergunta sobre o impacto de imagem que demissões em massa nas startups poderiam causar para sua imagem. Isso porque defender o lado humano está muito em alta. Demitir é melhor do que captar dinheiro para manter as pessoas?
Bem, cada empresa vai ter o seu caso. As que possuem caixa para sustentar a equipe por um longo prazo farão muito bem em mantê-los. Há um apelo tanto do lado social quanto do lado corporativo por isso.
Mas se for preciso cortar custos, e isso envolver cortar pessoas, faça. E ajude o time que saiu como puder – divulgando uma lista com seus nomes, por exemplo, como fez uma startup aqui de São Paulo. Existem empresas contratando, empresas com demandas crescentes durante a crise.
Desligar pessoas nunca será fácil para nenhum dos dois lados – nem para quem demite nem para quem é demitido. Mas há que se manter a calma nesta hora, tomar as decisões corretas, e garantir que os danos sejam minimizados.
Em relação aos fornecedores, lembre-se que cada corte represa um passo adentro na rescessão. Portanto, pense em cada caso. Tente renegociar contratos, garantir prazos de pagamento.
Use dos benefícios que o governo, em tempo recorde, está oferecendo: Simples Nacional e guias do FGTS postergáveis para o segundo semestre, por exemplo, já devem garantir um respiro do caixa.
Renegocie salários com a parte mais cara da sua folha. Parcele o salário ou altere a forma de remuneração. É sempre melhor um salário parcial do que “zero salário”, afinal.
Apenas cuide: postergar uma dívida não significa que este dinheiro poderia ser aplicado para outras contas. Use estas ofertas com moderação. : )
Por fim: não tem mágica
A ideia de que há uma saída mágica, uma pessoa esperta ou alguém sortudo é pura ilusão. Mesmo as empresas que estejam “surfando” uma onda de aumento de demanda poderão ter uma grande desilusão no final: ao ter sua capacidade extrapolada, a empresa pode ser forçada a aumentar sua estrutura para atender uma demanda que deixará de existir tão logo a crise acabe. Neste caso, a quebra seria muito mais forte.
Mesmo sem mágica, a fórmula é bem simples: revise suas verdades, redesenhe, e permita-se mudar o plano sempre que precisar!
Agora, veja os cuidados com o caixa que você deve ter durante a crise!